Um parasita até agora desconhecido é apontado como o responsável por ter causado duas mortes e deixado 150 pessoas com infecções graves em Aracaju, em Sergipe. De acordo estudo publicado nesta segunda-feira (30) pela revista “Emerging Infectious Diseases”, a espécie de parasita flagelado provoca os sintomas comuns da leishmaniose, mas é mais resistente aos tratamentos.
A descoberta foi feita a partir da comparação entre os genomas do parasita não catalogado com os do gênero Leishmania sp. Esta comparação revelou que, apesar da similaridade nos sintomas da doença (febre, aumento do baço e fígado e manchas avermelhadas na pele), a carga genética dele era mais parecida com a de outro parasita, o Crithidia fasciculata.
“Os genomas se parecem, mas não são iguais. A semelhança é a mesma que existe entre homens e macacos, por exemplo, e é por isso que podemos dizer que é um novo parasita”, afirmou o professor Roque Pacheco de Almeida, um dos autores da pesquisa.
O trabalho foi desenvolvido no Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo (Fapesp). Todos os casos foram identificados durante os oito anos da pesquisa.
Para o professor Roque Pacheco de Almeida, da Universidade Federal de Sergipe, ainda é cedo para cravar se o parasita é resultado de uma mutação e ainda não se sabe qual a sua origem. Entretanto, não se trata de um caso isolado.

O início
Almeida, que é especialista em leishmaniose, foi o responsável por diagnosticar, em 2011, o primeiro caso da doença causada pelo parasita. Um senhor de 60 anos deu entrada no hospital universitário com sintomas de leishmaniose visceral, em estado grave.
“Tentamos o tratamento por três vezes, e inclusive houve a retirada do baço do paciente que acabou indo a óbito”, lamentou o especialista. Ele disse que amostras dos parasitas foram retiradas dos tecidos do enfermo e introduzidas em camundongos para confirmar que eles eram os responsáveis pelos sintomas.

Genoma foi sequenciado
Com a comprovação, os pesquisadores sequenciaram o genoma desta espécie desconhecida para encontrar alguma semelhança na literatura – e não encontraram. O DNA mais próximo ao do parasita encontrado foi o do protozoário Crithidia fasciculata.
As espécies de Crithidia pertencem a mesma família dos Leishmania e Tryopanosoma cruzi (causador da Doença de Chagas), mas os primeiros não são capazes de infectar mamíferos.
O pesquisador João Santana Silva, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, também participou do trabalho e destaca a importância do sequenciamento dos genomas para definir que se tratava de um “novo” parasita.
“Com a amostra que retiramos, fizemos testes para identificar o tipo de parasita. Deu negativo para o gênero Leishmania, e aí pensamos que alguma coisa estava errada. Precisávamos identificar que tipo de parasita era este e vimos que ele tem um genoma de tamanho diferente do conhecido, por isso nos faz acreditar que se trata de um parasita novo.”
Sintomas
Segundo dados divulgados pela Universidade de São Paulo (USP), os principais sinais da doença apresentados pelos pacientes em Sergipe são:
- Febre prolongada
- Indisposição
- Palidez
- Falta de apetite
- Perda de peso
- Aumento do fígado
- Aumento do baço
- Anemia
Os sintomas são parecidos aos da leishmaniose, doença infecciosa causada por parasitas que atacam animais silvestres e, ocasionalmente, humanos. A transmissão em pessoas ocorre pela picada do chamado mosquito “palha”.

Análises feitas pelos pesquisadores apontam que o parasita dessa nova enfermidade não pertence ao mesmo gênero do causador da leishmaniose. Isso porque ele é mais resistente e os sintomas têm quadros mais graves.
Para chegar aos resultados, os estudiosos compararam o genoma do parasita de pacientes de Sergipe com outros pacientes, de demais localidades, que foram diagnosticados com leishmaniose.
Dessa forma, perceberam diferenças nítidas nas comparações, desconfiando do surgimento de uma nova espécie de parasita ainda não descrita pela ciência.
Transmissão
Por ora, os cientistas ainda não sabem como o parasita é transmitido, contudo, acreditam que seja através de algum inseto. Isso porque testes em laboratório apontaram a capacidade de infecção da doença em humanos e camundongos.
Complicações possíveis
A doença foi identificada a partir do acompanhamento de pacientes com leishmaniose no Brasil. Pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe afirmam que a descoberta é preocupante, pois a doença pode ser letal.
Por ser desconhecida, a nova doença ainda não tem um tratamento efetivo disponível e seu diagnóstico ainda é extremamente complexo – especialmente por conta dos sintomas parecidos com os da leishmaniose visceral.
Controle da doença
Os cientistas brasileiros esperam aprofundar os estudos acerca da nova enfermidade nos próximos meses. A ideia é compreender o ciclo de vida do parasita e formas de transmissão para, assim, identificarem possíveis tratamentos e prevenções a fim de controlar a doença.
Circulação do parasita
Os pesquisadores que estão cuidando do caso dizem que é possível que o parasita esteja circulando em outros animais e humanos. Por isso, são necessárias parcerias com o governo e demais entidades para rastrear a presença da doença – e se ela está somente restrita a Aracaju ou se já tem se espalhado.